Pode tomar remédio com café? Conheça os riscos

Redação 24/04/2024

Tomar remédio com café pode interferir na absorção do medicamento pelo organismo. A cafeína pode acelerar o metabolismo, o que pode diminuir a eficácia de alguns medicamentos ou aumentar o risco de efeitos colaterais. É sempre importante seguir as orientações médicas quanto ao uso de medicamentos e evitar combinações que possam prejudicar sua eficácia ou segurança.

Um estudo divulgado em 2020 na revista científica BioMed Research International revelou que ingerir certos medicamentos com café pode alterar sua eficácia no organismo. Conforme a pesquisa, o café pode potencializar a resposta terapêutica de alguns remédios, enquanto pode prejudicar a ação de outros fármacos. Mas qual é o mecanismo por trás disso?

Conforme Moacyr Luiz Aizenstein, professor do Departamento de Farmacologia do ICB-USP (Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo), um medicamento administrado oralmente passa por diversas etapas no organismo antes de ser absorvido na corrente sanguínea e atingir seu objetivo. “A cafeína pode interferir em todos esses processos quando consumida junto com o medicamento e, na maioria das situações, o efeito não é benéfico, ou seja, é prejudicial”.

Qual caminho o remédio percorre no organismo?

Para entender como a cafeína pode afetar o funcionamento de um remédio, é necessário compreender como o fármaco age no organismo. De maneira geral, um medicamento pode ser administrado de várias maneiras: oralmente, intravenosamente, subcutaneamente e intramuscularmente, por exemplo. A forma mais comum é a oral, por meio de comprimidos ou gotas.
Quando ingerido, o medicamento atravessa diversas fases no corpo. A primeira é a absorção, que se inicia no estômago e continua no intestino delgado superior. Durante essa fase, ocorre a desintegração da forma farmacêutica (comprimido) e a dissolução do princípio ativo, permitindo que seja liberado para a próxima etapa. Depois, ele segue para o fígado antes de entrar na corrente sanguínea.

“A absorção é parcial, pois nem tudo o que é absorvido é utilizado. Geralmente, no caso de medicamentos administrados por via oral, a biodisponibilidade [o que é aproveitado do fármaco] varia de 30%, 50% e 70%, dependendo das características dos medicamentos”, explica Aizenstein.
Uma vez na corrente sanguínea, o medicamento é distribuído por todo o organismo, atingindo seu alvo (como receptores, canais iônicos ou enzimas), onde terá efeito terapêutico. Posteriormente, o fármaco retorna ao fígado, onde é metabolizado, ou seja, transformado em outro composto (metabólito), facilitando sua eliminação pelos rins.

De maneira simplificada, as últimas etapas são conhecidas como farmacodinâmica (quando ocorre a interação entre o fármaco e seu alvo) e fase farmacocinética (que descreve o percurso realizado pelo fármaco no organismo), conforme explicação de Michelle Fidelis Correa, professora do curso de farmácia da Universidade Cruzeiro do Sul.

“É importante destacar que existem fatores que podem influenciar e/ou modificar todas essas etapas, incluindo as vias de administração, as formas farmacêuticas e as características individuais de cada organismo, bem como as interações medicamentosas”.

O que acontece com o medicamento quando ele é ingerido com café?

Quando um medicamento é ingerido com café, a cafeína pode impactar tanto positiva quanto negativamente em todas as etapas que o fármaco passa no organismo. Isso pode intensificar ou diminuir o seu efeito, resultando em consequências diversas.

“A cafeína, assim como qualquer outra substância, pode interagir com outras moléculas. Essa interação pode causar alterações nos processos mencionados anteriormente e afetar consideravelmente a eficácia dos medicamentos”, afirma Correa.
A professora exemplifica que a cafeína pode alterar a absorção de fármacos ao modificar o perfil de dissolução e o pH gastrointestinal. Como resultado, ela pode prejudicar a absorção de certos medicamentos e reduzir seus efeitos terapêuticos.
Outro impacto negativo pode ser observado na fase de metabolização pelo fígado. Segundo Aizenstein, alguns tipos de medicamentos são metabolizados pelas mesmas enzimas que atuam na cafeína. “Isso gera uma competição entre eles, pois muitas vezes não há enzimas suficientes para metabolizar ambas as substâncias. Como resultado, os medicamentos ou a cafeína terão seu metabolismo inibido”, explica.
O principal risco nesse cenário é o aumento da concentração do medicamento na corrente sanguínea, o que pode intensificar seu efeito a níveis não previstos na bula. “A cafeína pode aumentar, por exemplo, a concentração de varfarina no organismo, que é um anticoagulante, aumentando o risco de sangramentos”, menciona o professor. “Isso também ocorre com outras substâncias, como o metotrexato, que é um anti-inflamatório, e alguns tipos de antipsicóticos utilizados no tratamento da esquizofrenia”, completa.

Quais medicamentos não devem ser tomados com café?

Existem vários medicamentos que podem interagir com a cafeína, por isso é importante estar atento ao medicamento que está sendo utilizado. “Em geral, medicamentos metabolizados pelas enzimas do citocromo P450 (CYP450) apresentam interações significativas que devem ser levadas em consideração”, afirma Correa.

“A cafeína é principalmente metabolizada por essas enzimas, o que pode resultar em uma competição com outros medicamentos e afetar a taxa de metabolismo. A indução ou inibição dessas enzimas metabolizadoras pode resultar em falha na resposta terapêutica, intensificação de efeitos colaterais ou até mesmo toxicidade”, completa a professora.

Além disso, alguns outros tipos de medicamentos têm seu efeito prejudicado pela cafeína e podem representar riscos à saúde. É o caso de:

– Antidepressivos: medicamentos para depressão podem ter sua absorção no estômago e intestino delgado prejudicada pela cafeína;
– Ansiolíticos: a cafeína, por ter ação estimulante e favorecer a ação de neurotransmissores como dopamina e adrenalina, reduz o efeito terapêutico de medicamentos usados no tratamento da ansiedade;
– Antipsicóticos: reduz o efeito terapêutico de medicamentos utilizados no tratamento da esquizofrenia, afetando a absorção pelo estômago e intestino, além de prejudicar o metabolismo do fármaco no fígado;
– Levotiroxina: medicamento utilizado para o tratamento do hipotireoidismo, cuja absorção é afetada pela cafeína e, portanto, deve ser tomado em jejum.

Além disso, algumas vitaminas e minerais podem ter sua absorção prejudicada pela cafeína. Por exemplo, o estudo publicado na BioMed Research International menciona que “a absorção de ferro é reduzida entre 39% e 90% quando se toma uma xícara de café ou outras bebidas com cafeína”, por isso, a bebida não deve ser consumida junto com alimentos ricos em ferro ou suplementos vitamínicos.

Aizenstein também destaca que a absorção de vitamina D pode ser prejudicada pela cafeína. “Isso é muito sério, já que a deficiência de vitamina D é uma das causas de osteoporose e a literatura já mostrou que idosos que consomem muito café podem ter um risco maior dessa doença”, afirma.

Quais medicamentos podem ter o efeito potencializado pela cafeína?

Por outro lado, há alguns medicamentos cujos efeitos podem ser intensificados pela cafeína. Isso ocorre principalmente porque a substância pode aumentar a absorção e a biodisponibilidade dos fármacos, elevando sua concentração no organismo.

De acordo com os especialistas, os medicamentos cujos efeitos são potencializados pela cafeína incluem analgésicos, anti-inflamatórios não esteroides, relaxantes musculares, diuréticos e estimulantes do sistema nervoso central.

 

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